Trabalhar a arquitetura e as pré-existências.
João Santa Rita é um arquiteto com um vasto currículo, onde o rigor e a imaginação se fundem numa cuidada e ao mesmo tempo intensa apropriação dos espaços. As estações de Metropolitano da Rotunda ou de Cabo Ruivo, o Museu do Fado ou o reordenamento dos estaleiros da Lisnave em Almada, são alguns dos seus trabalhos que respiram o dia-a-dia de Lisboa, numa obra que se estende por Portugal, Macau e E.U.A. O desenho que sai, fluído e enérgico das mãos de Santa-Rita, desdobra-se pela geometria dos espaços revelando a grandiloquência das estruturas sem menosprezar os pormenores de relacionamento à escala humana.
Desenho. “Lisboa Revestida”.
Muitos dos trabalhos de João Santa Rita partem da pré-existência, da relação com a história dos locais onde intervém e pelas soluções que adopta, sejam de continuidade ou de rutura. A pré-existência pode ser só o edifício que se herda: umas pedras com valor histórico. Ou, num sentido mais vasto, pode ser o próprio território onde se intervém. Por exemplo, num recinto arqueológico são construções com seis mil anos! – as pré-existências podem ter apenas um peso físico, da sua própria forma, ou revelarem um sentido mais programático: elas próprias serem indicadores do programa que se vai criar.
Cada pré-existência fornece sugestões muito próprias, caminhos específicos: não há uma receita. Veja-se um exemplo curioso como uma pré-existência, uma cripta funerária, que está debaixo da terra, motivou que um centro de recepção fosse construído debaixo de terra: eis uma situação onde a pré- existência, com a sua condição subterrânea, estendeu-se à própria construção. As pré-existências têm um valor histórico, um valor inegavelmente plástico, formal: é o que nos leva a pegar numa ruína e fazer alguma coisa dela. Coisas que para nós, às vezes, são quatro ou seis pedras, mas que para um arqueólogo têm um valor inestimável: muitas vezes não conseguimos encontrar nestas pistas um sentido, uma forma, porque são valores demasiadamente abstratos, mas que apesar de tudo se tentam incorporar.
Cacilhas. Revitalização do Centro Histórico de Cacilhas, Almada (concurso internacional em duas fases) – 1998 (6º classificado).
A arqueologia industrial, proporciona pré-existências que criam fronteiras. Por vezes os arquitetos têm de intervir nestes espaços de fronteira, que não contém propriamente espaço: criam-se fronteiras entre a cidade e uma atividade que já não existe. Quando a cidade de Lisboa assistiu a grande parte das obras do Metro, encheu-se de tapumes que estavam resolvidos com uma série de inscrições, informações, resoluções plásticas: e que realçavam a caraterística do efémero, de obras. No trabalho realizado por João Santa Rita para a avenida de cintura do porto de Lisboa surge um tratamento sobre um muro longo e continuo de um armazém industrial, com um sentido menos efémero. O trabalho gráfico sobre a fachada, concebido pelo arquiteto Vieira realçou a ambiguidade do espaço fronteira e a pré-existência. As materialidades que aparecem no muro são referências às que existiam ali: as grelhas de metal, ligadas ao tema dos barcos como as passadeiras dos petroleiros. São todos esses elementos, transpostos para uma situação plástica.
Durante muitos anos era uma zona muito inóspita: tinha armazéns e armazéns que se estendiam desde a Junqueira até ao Cais do Sodré. Havia uma área com alguma vida local, que era Santos, e havia o outro lado, o do rio, onde se passavam as atividades portuárias. Um dos aspetos que sempre provocaram essa descontinuidade com a cidade foi o comboio: há muitos anos que se procuram soluções. Além do mais, toda aquela fronteira de vias desincentiva a aproximação: e as passagens de peões não resolvem.
O espaço entre o desenho e o projeto, uma referencia a Piranesi.
Piranesi,era um homem que registava coisas, que estava ligado aos levantamentos arqueológicos, com toda a fantasia que ele criou à volta deles mas, coisas de certo modo objetivas que ela ia fantasiando, subvertendo, destruindo. Paralelamente foi desenvolvendo trabalhos que não são totalmente destituídos desse seu cunho pessoal, sempre muito enganador, muito mágico. Para Santa Rita o desenho nunca é tão autónomo ao ponto de não se reportar a um desejo, a uma vontade, de se traduzir em arquitetura.
Desenhos da autoria de João Santa Rita, arquiteto