A Arte Urbana e o Design de José de Guimarães

(in Revista Mid 81, produção: Helena Ladeiro)

Engenheiro, Militar, arqueólogo, etnólogo, pintor e escultor, são algumas facetas de um homem que é essencialmente um viajante com uma curiosidade insaciável. José de Guimarães nasceu em 1939, na cidade de Guimarães, e depois de muitas viagens pelas capitais europeias, em contacto com as obras dos mestres e com outros pintores, veio a ser em África, no final dos anos 60, que o seu projeto artístico ganhou os contornos que o acompanham até hoje.

José de Guimarães

 

José de Guimarães tentado pela ideia apaixonante de uma síntese entre as culturas africana e europeia através das artes plásticas, cria um “alfabeto” ideográfico, inspirado em formas e símbolos africanos, que foi o ponto de partida para o desenvolvimento de um universo e de uma linguagem, que tem vindo a depurar ao longo dos tempo. A aplicação da obra de José de Guimarães ao design, que vai desde um relógio a uma escultura gigante para uma rotunda, de copos a estação de metro, abre curiosas expetativas em relação à intervenção dos artistas plásticos no quotidiano de um país onde têm sido ignorados.

O devorador de automóveis, 1991. Campus da Universidade Guimarães

 

José de Guimarães utiliza um vocabulário ideográfico, para poder falar. Começou a descobrir a arte negra, não da primeira vez que esteve em África, em 1967/69, mas da segunda vez. Precisou de dois anos para poder tentar entender a cultura africana. Foi através da arte destes povos que começou a saber o que era outra cultura, nomeadamente aquela com que estava a conviver. Depois de muitas voltas, chegou à conclusão que a cultura africana é extremamente simbólica. Isto é: são manifestações culturais e sociais expressas numa simbologia que é normalmente a cultura africana. Mas, mais do que propriamente a escultura, encontrou uma forma muito mais direta de comunicar, muito bem elaborada, que era realmente uma forma ideográfica. As mensagens, a forma de comunicar dessa tribo – neste caso, da tribo de Cabinda – era através de símbolos gravados em utensílios domésticos de uso corrente. Formas gravadas esculpidas até um alto relevo como por exemplo; o lagarto, o ramo de árvore, uma mão. Todo um conjunto de formas que tinham uma significação. Começou a tentar mergulhar profundamente nessa simbologia e nos conceitos. Tentou entrar nessa cultura, apropriar-se de algumas dessas formas e introduzir-lhes as modificações que depois passou a utilizar na pintura.
Tem pinturas desse período – 1970,72,74 – que estão carregadas de simbologia. Começou a expor em plena guerra, em pleno teatro de operações, as obras eram codificadas: era a linguagem possível dessa altura. De resto, fez muito desse trabalho ainda numa fase quase de intuição ” eu intuía coisas, previa coisas, mas não percebia ainda muito bem”.

Kushiro, 2000 – Japão.

 

O projeto artístico de José de Guimarães é no fundo, um projeto de linguagem que se vai adaptando à medida que vai adquirindo outros conhecimentos, outras informações. E, a abordagem à linguagem africana, teve razão de ser até determinada altura e depois deixou de ter. Quando voltou para a Europa teve outros contactos, outras situações, outras vivências e foi-se adaptando ao vocabulário dessas novas situações. A sua obra sempre foi uma obra de formas que têm conteúdo: Psicológico, mágico e de atuação.

Estação de Metro de Carnide, 1997 – Lisboa.

 

A trabalho de José de Guimarães só encontrou mais tarde a expressividade que todos nós conhecemos, através da pasta de papel, papel de celulose, formas que ganharam outro tipo de intenção quando colocadas no nosso espaço. As esculturas, como é o caso da que está em Lisboa, (uma grande escultura na zona oriental, junto ao Parque das Nações) é uma escultura bi-dimensional. No fundo, são formas, encaixadas umas nas outras, podendo auto-sustentar-se no espaço. Mas são bi-dimensionais: é como se fossem folhas de papel encaixadas. Mesmo na escultura de grande porte, construída em cimento e betão armado, não deixa de ser arte bi-dimensional.

Praça 25 de Abril, 1999 – Lisboa.

 

Para José de Guimarães, as cores que utiliza são cores que vêem do começo do seu trabalho; eventualmente de África das festas populares extremamente coloridas do norte de Portugal, onde nasceu. Recorda-se em especial das procissões e peregrinações onde havia uns andores enormes repletos de espelhinhos de luz. Realmente as cores da celebração são normalmente cores vistosas. As procissões, as bandeiras, os estandartes: há uma efusão de cor para celebrar as coisas importantes. No fundo há uma exuberância, um extravasamento. De certo modo, as cores ajudam a uma certa celebração.

Sinalética da “Art Triennal 2003”, Echigo – Tsunami no Japão.

 

O autor parte normalmente de qualquer material e deixa lá sempre a sua marca. Quando lhe pedem para criar um rótulo de uma garrafa, ou algo semelhante, pergunta sempre: “o senhor conhece a minha expressão plástica? Porque é isso que vai levar!”. E portanto, quando pediram para desenhar o símbolo do turismo de Portugal, fez a mesma pergunta: “É uma obra minha, com a minha expressão plástica. Não conte com uma tentativa mimética de outra coisa qualquer!”.

Sinalética da Biblioteca de Miyagi, 1998 – Japão.

 

José de Guimarães não é um designer, mas adapta-se a suportes que já existem e acrescenta-lhes sempre algo.

Kushiro, 2000, Japão.
Kushiro, 2000, Japão.

Kushiro, 2000 – Japão.

 

Tem trabalhado sobre objetos que já estão feitos: porque também são as propostas que lhe fazem. Para José de Guimarães o problema do design é ser uma atividade que está relacionada com a encomenda. Se uma pessoa não tem encomendas, então para quê fazer design: Desenhar uma chávena para ficar em maquete? Isso já faz com as suas esculturas que provavelmente nunca na vida serão construídas. O design é algo que é para ser produzido em série. É verdade que muitas pessoas têm peças suas em casa, esculturas de cartão, etc, sobretudo gerações mais novas, que aderem mais facilmente e convivem com essas formas, mas não é design.

Estádio de Futebol, 2000. Kashima, Japão.

Armazéns do Chiado, 1999 – Lisboa.

 

Para o autor, os artistas plásticos têm sido ignorados no que respeita à arte urbana. Digamos que as únicas obras públicas que ultimamente chamaram a si artistas plásticos foram as do metropolitano e a expo 98. Mas foi realmente com o metropolitano que começou de novo a despertar a atenção para as obras públicas. E não só: as pessoas começam a viajar mais e a ver que noutros países estas manifestações são quotidianas, normais.

Estação do Metro de Carnide, 1997 – Lisboa.

 

Para José de Guimarães os artistas têm de fazer um grande exame de consciência e ver a obra que vão realizar e para quem. Porque por exemplo, no caso do metropolitano, há estações que são esteticamente impecáveis, mas que do ponto de vista da arte pública não funcionam. E há o contrário.

Estação de Metro “Deutsche Oper”, 2000 – Berlim.

Estação de Metro “Deutsche Oper”, 2000 – Berlim.

 

A estação do metropolitano feita por Bartolomeu é irrepreensível do ponto de vista estético. É um trabalho impecável. Simplesmente, todo aquele trabalho, sai diluído naquelas paredes. E as pessoas passam veloz e indiferentemente por ele.

“As Esculturas”, 1996 Estação de Metro de Chabacano, México.

 

Na estação de metro de Carnide, o autor procurou que as pessoas se sentissem descontraídas quando entrassem na estação de metro. Para as pessoas poderem ver a estação, comprová-la, não podem estar lá de passagem dois minutos. Quer dizer, então têm de ir de propósito para a ver. Porque é muito mais complicado do que os néons à primeira vista fazem supor. No entanto, numa visão rápida, as pessoas sentem-se descontraídas. Há um relaxe.
Para o autor, é importante que a arte pública seja uma arte humanista: uma arte em que as pessoas se sintam envolvidas. E não pode ser uma arte repulsiva, o que muitas vezes acontece.
Na arte pública, o artista tem de assumir uma grande humildade, sem perder a sua personalidade, sem perder a sua marca, deve-se deixar abater. Ainda que subrepticiamente. É como numa peça de teatro: se o cenário é de tal maneira abrasador ou obsessivo as pessoas não vêem os actores.

“As Esculturas”, 1996 Estação de Metro de Chabacano, México.

Tapeçaria “Mascarada” editada por Dimensão Nova

Prato em vidro Ritzenhoff, com impressão litográfica

Copo de cerveja da coleção Beer, Ritzenhoff

Cinzeiro em porcelana Ritzenhoff